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Desafios e oportunidades do investimento verde

Considerada como o registro de bens, direitos e obrigações da entidade com o meio ambiente expresso monetariamente, a contabilidade ambiental vem crescendo nos últimos anos

Lara Ely

Considerada como o registro de bens, direitos e obrigações da entidade com o meio ambiente expresso monetariamente, a contabilidade ambiental vem crescendo nos últimos anos e se tornando um importante instrumento de controle na gestão de muitas organizações. Seu objetivo é propiciar informações regulares aos funcionários e à comunidade sobre eventos que modificam a sua situação patrimonial.
Os registros contábeis devem evidenciar os fatos decorrentes do atendimento (ou não) da legislação ambiental como, por exemplo, o recolhimento de dejetos tóxicos. Entre as infrações mais frequentes estão a degradação de rios, matas e solos, que ocorrem a partir de atividades como mineração irregular, desmatamento e lançamento de resíduos sem tratamento adequado. Nesses casos, o contador deverá registrar todos os custos associados a tais eventos, como fretes, despesas de armazenagem, custos de reciclagem, salários e outros encargos.
Dentro desse contexto, o papel desempenhado pelo profissional da contabilidade é de ser responsável pelos registros da gestão ambiental. De acordo com o contador Júlio César Zanluca, especialista em tributação e atual coordenador técnico do Portal Tributário Editora, a contabilidade é imprescindível para a tomada de decisões e avaliação regular das políticas ambientais de uma empresa, já que é sua função gerar informações relevantes aos respectivos administradores.
Mesmo que as vantagens quantitativas desse tipo de investimento ainda sejam pouco consideradas no curto prazo, os retornos em economia, marketing e responsabilidade social saem na frente e compensam a médio e longo prazo. A redução do desperdício de recursos naturais, como água, melhoria da imagem por meio de publicação de balanços e decisões baseadas em dados concretos estão entre os benefícios da contabilidade verde apontados por Zanluca.
Sendo considerada um passaporte para a competitividade, a gestão ambiental não precisa ser encarada como um custo a mais no orçamento, mas uma oportunidade de engrenar em um ciclo de lucros sustentáveis. A demonstração de cuidado com o patrimônio natural melhora a imagem institucional de tal modo que, nos dias atuais, atinge um novo e importante nicho de clientes. "O mercado consumidor tende a ser cada vez mais voltado para produtos oriundos das empresas que tenham esta responsabilidade", ressalta Zanluca.
Por outro lado, se a adesão à onda ecológica alavanca a relação com os stakeholders (todos os públicos atingidos direta ou indiretamente pelas atividades da empresa), o não-cumprimento de normas estabelecidas por órgãos de controle e de fiscalização pode gerar infrações e multas salgadas para o caixa da empresa. Se evitados, esses problemas representam sobra no final do mês e também resultam em um bom relacionamento com movimentos organizados da sociedade - como as ONGs ambientalistas.
Apesar de não terem poder de decisão na gestão ambiental, os profissionais da contabilidade podem alertar os administradores, sócios e acionistas para os custos e prejuízos dos passivos ambientais. Tratam-se de obrigações contraídas voluntária ou involuntariamente, destinadas à aplicação em ações de controle, preservação e recuperação ambiental. Em contrapartida, originam ativos ou custos. "Os empresários devem incentivar seus contadores a ler e aplicar a contabilidade ambiental, de forma que os balanços da empresa reflitam sua gestão em relação ao meio ambiente", sugere Zanluca.


Sistema é passaporte
para a competitividade
Embora os benefícios a curto ou longo prazo do investimento verde venham sendo reconhecidos pelo mercado como diferencial competitivo, validar a importância da responsabilidade ambiental foi uma tarefa difícil e demorada. Esta resistência, na opinião da contadora e professora universitária Maria Elisabeth Pereira Kraemer, deve-se a fatores como o alto custo para aquisição de tecnologias de contenção de resíduos; inexistência de legislação ambiental ou rigor nas já existentes e falta de pressão dos consumidores e movimentos populares.
Para ela, anos atrás, a consciência ecológica individual e coletiva era menor e menos organizada, e as penalidades contidas nas antigas legislações não serviam como instrumento inibidor para seus infratores. "Era menos oneroso para a empresa arcar com os encargos de uma multa do que adquirir equipamentos antipoluentes." Com o crescente debate sobre mudanças climáticas na mídia e uma onda de sustentabilidade avançando sobre o mercado, a adoção de estratégias fiscais em relação aos recursos naturais pode representar inovação. A incorporação de técnicas sustentáveis representa também uma oportunidade de agregar valor e obter vantagem competitiva.


Lucro é revertido para o bem do planeta
Estabelecer um ambiente de criação de valor que privilegie a crença em projetos que mereçam ser apoiados, com transparência a confiança. Essa é a máxima da Bolsa de Valores Sociais e Ambientais da Bovespa (BVS&A), um fundo destinado a reunir investimentos de grandes empresas para financiar iniciativas educativas de ordem social e ambiental. Na prática, cada acionista escolhe um ou mais projetos para fazer a sua doação, através de boleto bancário ou cartão de crédito. Após serem repassados à BVS&A, os recursos são liberados integralmente para ONGs mediante um plano de aplicação a ser produzido pelas mesmas. O material é aprovado e supervisionado pela equipe técnica da BVS&A, e o repasse é isento de qualquer taxa ou imposto.
Lançada em junho de 2003, exclusivamente voltada para a área social, a bolsa solidária segue a mesma dinâmica do mercado de ações, em que as empresas fortalecem seus negócios devolvendo o capital do investidor. Na Bolsa de Valores Sociais e Ambientais, o "investidor socioambiental" encontra uma carteira de projetos e opta pelo qual quer investir, fortalecendo as instituições ajudadas e suas atividades. Em 2007, ocorreu a ampliação para projetos sobre meio ambiente, oportunizando iniciativas que contemplem os temas sustentabilidade, biodiversidade e florestas, cidades sustentáveis, mudanças climáticas e recursos hídricos.
O valor agregado à marca de quem investe, no entanto, não é contabilizado em números. "Os benefícios são imponderáveis e incalculáveis, mas existem e são concretos, como percepção da instituição e imagem na sociedade", afirma o cientista político gaúcho e membro do conselho da BVS&A, Léo Voigt. De acordo com ele, o que move o investimento em ações desse tipo não é exatamente o impacto que isso gera no curto prazo, mas "uma crescente compreensão de que somos todos como um avião em pleno vôo; os riscos da viagem impactam a todos os envolvidos".
Ao considerar que a sociedade atual espera mais atitude e soluções por parte das empresas privadas, Voigt ressalta que isso requer renovação e atualização por parte das mesmas. "Não mais o Rio Grande do Sul ocupa sozinho essa posição. Quem lidera tem visibilidade e larga aceitação pública, sofre maior vigilância e controle", afirmou. Além de Voigt, integram o conselho da BVS&A dirigentes de grandes empresas, políticos e outros líderes na área de sustentabilidade.

Controle de sobras repercute
no caixa do empreendimento
Redução de resíduos e otimização das técnicas de produção. Essas foram as medidas adotadas pela Fanabor Artefatos de Borracha Ltda para testar os impactos financeiros da Produção Mais Limpa (P+L).
Com foco na produção de peças técnicas e artefatos de borracha, a empresa localizada no município gaúcho de Novo Hamburgo conseguiu reduzir de R$ 3.833,55 para R$ 2.736,61 o custo do resíduo por quilo de borracha, o que representa, por ano, em uma economia de R$ 32.908,20 para a Fanabor.
Com faturamento anual de R$ 2,3 milhões e 30 funcionários, a empresa iniciou a implantação do processo em 1 de março de 2006, quando observou uma excessiva geração de resíduo durante o acabamento dos cilindros revestidos com manta de borracha, principalmente devido ao processo manual de recobrimento.
Segundo o responsável técnico, Edson Charles Gomes, o resultado foi obtido a partir de treinamentos com os funcionários responsáveis, visando à não-geração desses resíduos. "Modificou-se a ordem de produção, de tal forma que a medida da espessura da manta já vem calculada", afirmou. Além dos notáveis impactos econômicos, essa contabilidade ambiental representa, ainda, a redução de 5 mil quilos de resíduo de borracha para varrer, armazenar, transportar e dispor no meio ambiente. A natureza e o caixa agradecem.

Gestão ambiental é alavanca para o desenvolvimento sustentável
Quando empresas, instituições públicas e universidades investem em projetos pró-ambiente, elas contribuem diretamente para o modelo de desenvolvimento sustentável da macroeconomia brasileira. As palavras são da economista Clítia Helena Backx Martins, professora do curso de especialização em Gestão da Qualidade Ambiental na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e funcionária da Fundação de Economia e Estatística/RS (FEE).
Para ela, um dos grandes desafios da atualidade é saber como utilizar e resguardar o patrimônio natural do Brasil, que, junto da Índia e Colômbia, está entre as nações mais ricas do planeta em termos de biodiversidade. "A sustentabilidade é também um acúmulo de capital natural, e temos que pensar de quem é a soberania sobre isso. Quem detém o direito de uso dessa fonte de recursos naturais?", pondera. A professora esclarece que a riqueza natural brasileira é responsável pela captação de grande quantidade de financiamentos internacionais para projetos na área de reflorestamento, energia limpa e biomassa.
Algumas técnicas diferenciadas de produção começam a ganhar espaço nas empresas. Uma delas é a Produção Mais Limpa (P+L). Considerada uma das principais estratégias para gerar riqueza a partir da preservação, a P+L é um tipo de processo no qual a produção de bens e serviços tem resíduo zero. Segundo a economista, enquanto a P+L garante destaque aos líderes de mercado, com selos de qualidade e prêmios, os pequenos empreendedores ainda engatinham nesse sentido, carecendo de incentivo para incluir o tema na sua contabilidade. "Às vezes, os microempresários se assustam com essa possibilidade, já que a eficácia desses mecanismos não se constata de um dia para o outro", esclarece.